segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A Esperança...

Já não havia canções sobre amor ou tristeza, nem mais se ouvia o barulho das garrafas vazias. Ela atravessou o convés, passando por entre os corpos desmaiados ou dormidos, amontoados uns sobre os outros, espremidos entre o frio e o medo. O vento fez com que seus cabelos se esvaíssem dos ombros, traçando movimentos ritmados. As pontas do vestido acariciavam os rostos daqueles coitados. Parou ao lado de um deles, que lhe parecia sorrir um sorriso fresco, sussurrando palavras sonhadas por entre os dentes. _ E que fim teríamos nós, senhor? Se não este único que conhecemos? Sorri enquanto é noite. Enquanto o fogo não lhe queima a alma...
Retirou-se do convés, e foi assistir ao bater maquinal das ondas negras, banhadas pelo sangue de uma lua de plástico. _ Como foi que conseguimos destruir um mundo inteiro?
Disse para si mesma, enquanto subia numa das caixas no canto na amurada. De cima, olhou uma última vez para o lado da popa, os corpos emaranhados, as cobras se enroscando aos cabelos úmidos, coloridos de visgo e limo. _ Se cada um é por si, não serei eu a que ficarei por todos.
E deixou-se pender sobre o próprio corpo, caindo no vão de águas escuras que banhava a embarcação do inferno.

3 comentários:

Auíri Au disse...

Um dos melhores ou porque não o melhor texto que já li aqui.
Adoro essas frases que deixam a cabeça navegar...navegar...com mils e uns sentidos e interpretações...
Beijos por entre os dentes, hehe!

Thiago César Lima disse...

Parabéns pelo blog! ele é bem fiel a proposta! os textos são legais e confusos... ou confusos e legais? enfim... em esperaça a frase: "Se cada um é por si, não serei eu a que ficarei por todos." KKk... tirou dos meus pensamentos!! sempre sonhei em dizer isso!!

Charles Canela disse...

chega um momento da vida que o vão das aguas escuras atrai como uma íma, e nesse momento saberemos de nossas forças