
O relógio marcava três horas. A porta abriu devagar, e um vento gelado entrou, e cortou todo o meu corpo. Eu estava sentada, e esperava ansiosa. O vulto atravessou a porta, apenas o vulto. Não defini as formas precisamente, mas sabia que era ele. O cheiro que lembrava amêndoas doces, a forma vagarosa como andava. Era ele. Sentou-se ao meu lado, calado. Olhei discretamente, e sei que ele percebeu meu olhar que, mesmo reservado, era penetrante. Senti que ele também me olhava. Olhava-me habilmente, olhava-me toda, como um lobo analisa sua vítima antes do ataque final. Tentei não pensar no que acontecia, no que sentia. Mas não consegui. Minha mente me comprometia, e me entregava. Meu olhar faceiro me entregava. Cada gesto singelo entregava meus desejos e vontades. Ele sabia o que eu queria, e queria que eu soubesse que entendia cada olhar, cada vontade. Segurou de leve meus cabelos, quase como uma carícia. Afagou minha nuca de forma dócil, e por um momento, um curto e precioso momento, me senti livre para fazer e dizer tudo o que pensava. Mas não o fiz. E isso não seria necessário, nunca. Virou-se um pouco e me beijou. Primeiro sobriamente, como se contabilizasse cada passo a ser dado, como se o fizesse maquinado. Afastei-me, num gesto ríspido. Ele sentiu. Sabia o que eu queria. Sabia que a forma como me beijou não era a correta. Não era a esperada. Olhou-me nos olhos, e senti um calafrio que sugava minhas forças, meus pensamentos. Uma vontade ameaçadora percorreu meu corpo. O rosto, o pescoço, a barriga, as pernas. Tudo em mim pedia um abraço intenso. Tudo em mim o pedia. E só a ele. Inclinou-se devagar, quase parando. Quase uma daquelas cenas de filme, em câmera lenta. A cena mais bela que já vi. Beijou-me novamente, e dessa vez parecia enfurecido. Gostosamente enfurecido. Beijou-me como se procurasse arrancar de mim uma verdade, um chiado, um suspiro, ou seja lá o que for. Foi nessa hora que perdi os sentidos, perdi o controle. Seu beijo penetrou em mim como algo novo, como se nunca o tivesse sentido antes. E foram tantos, e tantas vezes. Me senti uma adolescente, naquelas horas em que o medo e a angústia tomam conta de todas as reações, e as planejam, e fazem com que sejamos tolos. Segurou novamente meus cabelos, fortemente. Acariciou meu pescoço, meu colo, meus braços. Deixou que seu hálito quente percorresse meu corpo. Cada gesto seu se intensificava, a cada segundo. Senti meu corpo leve. Eu quase flutuava em meio a seus afagos. Suas mãos percorreram meus membros, um a um, de uma forma tão sincera que me assustava. Meus desejos se materializaram na ponta dos dedos, dos dele e dos meus. Minhas pernas ultrapassaram os limites da sanidade, do corpo e da alma. Minha respiração intensificava a dele, cada uma em seu tempo, num compasso perfeito, num ritmo latente, que se desenfreava pouco a pouco. Nos abraçamos de forma intensa. Seus lábios se desvencilharam dos meus e encontraram o resto. O resto que na verdade define o todo. O todo dos ombros, dos seios, do ventre, das coxas. E todo o mais. Um prazer indescritível me tomou conta. Eu tomei o prazer, e o fiz parte de mim. Sem vergonha, sem intervenções. Era a hora de me entregar às minhas vontades ocultas, que me faziam nervosa, incompleta. Era a hora de senti-lo mais uma vez como parte de mim. Os dois em um só ser. Os dois ocupando o mesmo espaço, de corpo e alma. E de sexo. Minhas unhas procuraram sua pele, e eu deixei. Deixei que minha vontade se tornasse ação. Deixei que ele morresse extasiado enquanto me fazia dele. Só dele. Deixei que ele escutasse claramente minhas palavras maliciosas, meus gemidos mordazes. Deixei que sentisse e se deliciasse com meus movimentos ríspidos, impuros. Mais que os movimentos, minha mente era impura. Minha utópica liberdade se tornava real. Real e excitante. É incrível como segundos de prazer intenso transformam-se em anos, décadas, talvez séculos. Sim, ficamos ali durante séculos, parados, extasiados. Olhamos o teto e nada mais. Não havia coragem, nem vontade, suficientes para dizer uma só palavra. Formar sílabas era uma tarefa árdua, extremamente sofrida. O único som que atravessava meus lábios com certa facilidade era o som dos suspiros, dos gemidos baixos, de quem acaba de se deliciar por inteiro, completa, de corpo e de mente. Não conseguia segurar meu ímpeto. Não conseguia impor limites a mim mesma. Minhas mãos, mesmo cansadas, começaram novamente a percorrer seu corpo. Seu corpo tão completo, tão perfeito para ele, do jeito que era e do jeito que funcionava. A forma como estremecia a cada gesto meu, a cada toque. A forma como suas pernas se ajeitavam por entre as minhas, entrecruzando-as e descruzando, em movimentos rápidos e impensados. Minhas mãos começaram a se derreter pelo corpo todo, estirado ao meu lado, furiosamente curiosas e promíscuas. Não uma promiscuidade qualquer, mas uma promiscuidade exaltada, de quem admira, de quem deseja ardente, mas, acima de tudo, apaixonadamente. Nos sentimos novamente viris. Viris tal qual dois adolescentes, capazes das mais ordinárias aventuras. E vivos, acima de tudo! Ordinária... É uma bela palavra. Uma palavra que explica de forma singular o máximo de transgressões que fizemos naquele quarto, naquela noite. Um amor acabado, um casamento, uma vida inteira passada. Tudo amaldiçoado por uma única noite de paixão, de vida! De realização, enfim. Nos comemos, um ao outro, diversas vezes e por diversos meios. Comi seu corpo com meu olhar infame, e ele a mim. Cada parte e cada pedaço. Nos amamos, com paixão. Nos seduzimos, nos usamos, nos gozamos, em cada gesto e a cada segundo. E nos deixamos. Como num passe de mágica fajuta, onde os espectadores sabem exatamente para onde vai o coelho que estava na cartola. Nos deixamos da mesma forma como nos amamos: efêmera e faceiramente, da forma mais cruel que se pode imaginar. Ele saiu pela porta da mesma forma que entrou por ela, e da mesma forma que entrou e saiu de mim: rápido e silenciosamente.
[Esta história - e sua personagem - são fictícias. Infelizmente! - risos sórdidos.]
17 comentários:
Nóóóó ......
Ficticia,é que não existe é?
hheeeeeheeheheheheehehe
Gostei do conto,comportado e super excitante se é que dá pra ser as duas coisas ....
Oppss..
Esqeuci de comentar..
Se o cara do conto quiser um tratamento pra esse problema dele aÊ ....
Eu passo o telefone de uns médicos bacanas aÊ .....
heehhehehehheeheehehheh
Hum...
após tanta propaganda da 'tal' crônica... confesso:
texto bacana..
consegue ser direto e subjetivo, ser sensual sem ser vulgar...
relatos minuciosamente detalhados... pensados, imaginados, sonhados (?!), enfim...
guria de uma imaginação fértil..
fértil d+..
hahahaha
Parabéns Manela..
Vc está se saindo uma ótEma escritora!
=]
ps.: mas o texto la do:
'passe com seus longos cabelos formados de anéis'.. superou todos..
ele é de longe o melhor!
hahahaa =P
Bjoo
Teria sido esta uma experiência de amor sobrenatural? Um não-sei-o-quê de poltergeist está presente neste seu relato (estória ou história?). Uma espécie de Bruna Surfistinha do Além.
Muito bom!
Confesso que quando começei a ler pensei que seria qualquer outra coisa, mas me surpreendi bastante, e gostei da surpresa...!
Muito, muito legal!
(PS: Fictícios...? Sei!)
..nossa, depois de tanto tempo sem atualizar e agora esse tântrico de palavras' .. (.. rs que trocadilho bôbo .. kkkkkkkk ) + mas : very very intenso, tântrico, orgásmico ..e + Obrigado pela visita lá no blog espero que volte sempre .. Já lhe adicionei aos favoritos .. Atualiza sempre viu? Tudo de bom :)
Ui!
tem certeza que é fictício?
Senti a realidade nas minhas entranhas... rs
Vc é boa nisso aê(escrever)manuh!
Stá para nascer alguém com tanta criatividade...
Stou sem assunto! Dps passa lá no meu blog...Posts novos!
bjks
moss, esse trem de ficar olhando pro teto depois é legal viu???
=]
Muito tântrico também achei.
Sexualidade aflorada - o que não significa vulgaridade aflorada.
Osgástico...
gostei demais!
E tem coragem hein?!
Mesmo fictício... a ficção é a alma bebum-sóbria do homem... rsrs
muito bom messssmo!
- obrigada pelas visitas
Nossa! Juro que levei um susto quando vi seu comentário. Apesar de tratar-me de uma página no mínimo abandonada... De qualquer forma, obrigada pela visita.
Quanto ao seu conto, adorei. Me identifico bastante com tudo que é escrito por uma mulher pelo fato de seguir a tendência piegas demais. Mulheres são mesmo estupidamente sentimentais.( olha o eco, hehe) Acho ta aí algo que alguns homens sabem fazer bem, escrever, escrever algo ácido, que não envolva sentimentalismo ou se envolve, em doses tão perfeitas.
(Eu e a minha mania de falar demais...)
Ta aí o meu testamento a ti. hehe
Obrigada pela visita. Volte sempre
Parabéns pelo conteúdo do blog.
Beijos.
oi! este é para agradecer sua visita e seus comentários. é claro que vou começar a ler seu blog hoje ainda. aqui no Brooklyn faz um frio tremelicante!
muito envaidecido,
edu, do Brooklyn
Olá,
Olha Manu, que texto...ufa!... Muito bom.
pensei que era real...vc foi tão minuciosa,objetiva e muito clara.
E o mais legal que, nem por um momento mostrou se vulgar.
parabéns! Com certeza! logo,logo iremos ler um livro seu.
Quero ler todos ok... bjs Dilmina
Perdoe a insensibilidade... Mas foi mais degradante que aqueles livrinhos eróticos da banca de revista da esquina...
.. rsrs!
sim.. claro que foi..
a lógica do seu comentário está na exatamente na sua insensibilidade!
Mágica fajuta? "o coelho sai da cartola e nao vai pra cartolo"
Acho q conseguiu mexer com íntimo de mta gente... rs
Estou gostando dos seus textos!!! =)
Parabéns!
E apesar de toda sensualidade...
a parte que mais gostei...
foi a de ter ido embora...
Sei lah...
Cheiro triste no ar...
Muito bom
bjus
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